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Gestão: Pessoas e Trabalho – 94

06 de julho de 2023
Informativo
Lei nº 14.612/2023: assédio, discriminação e crimes infamantes

Publicado em 5 de julho de 2023

Por Adriano Sousa Costa, Dyogo Crosara e Sauvei Lai

Jurisdição disciplinar e conceito de assédio moral:
A Lei nº 14.612/2023 acrescentou no artigo 34 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) uma relevante infração ético-disciplinar, qual seja, a prática de assédio moral, assédio sexual ou discriminação (inciso XXX) por advogados devidamente inscritos ou estagiários.

É válido lembrar que existiram diversas tentativas legislativas de tipificar o crime de assédio moral no Código Penal. Talvez a mais conhecida seja a insculpida no Projeto de Lei nº 4.742/2001, a qual disciplinava:

“Assédio Moral no Trabalho

Art. 146-A. Desqualificar reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a auto-estima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral. Pena: Detenção de (3 (três) meses a um ano e multa.”

Fato é que o referido projeto de lei foi aprovado na Câmara dos Deputados e espera, pacientemente, por quase duas décadas, o andamento útil no processo legislativo em curso no Senado Federal [1].

Ainda que não haja crime específico para tanto, é possível a combinação de tal infração administrativa com crimes elencados no Código Penal, a exemplo do stalking (artigo 147-A do Código Penal), da violência psicológica contra a mulher (artigo 147-B do Código Penal) e da injúria (artigo 140 do Código Penal).

De fato, é importante perceber que a alteração aqui debatida tem mais a ver com a jurisdição disciplinar dos advogados do que com os crimes que a isso podem estar jungidos. E, para os efeitos do regramento disciplinar em comento, considera-se assédio moral:

“Art. 34, §2º, I – a conduta praticada no exercício profissional ou em razão dele, por meio da repetição deliberada de gestos, palavras faladas ou escritas ou comportamentos que exponham o estagiário, o advogado ou qualquer outro profissional que esteja prestando seus serviços a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de lhes causar ofensa à personalidade, à dignidade e à integridade psíquica ou física, com o objetivo de excluí-los das suas funções ou de desestabilizá-los emocionalmente, deteriorando o ambiente profissional; (Incluído pela Lei nº 14.612, de 2023)

A aplicação do referido dispositivo requer repetição, e não habitualidade. Não incide em face de um único ato isolado, mas também não requer um estilo de vida.

A referida repetição, inclusive, pode se dar no mesmo contexto fático, desde que, acumuladas, tenham potencial vulnerante ao ofendido, que possuam o fim de excluí-lo ou desestabilizá-lo e, por fim, gerando a deterioração do ambiente profissional.

Como se trata de processo cumulativo, os atos reiterados precisam se dirigir contra a mesma pessoa, ainda que não exclusivamente contra ela. Ademais, o referido assédio não requer relação hierárquica, gize-se.

A despeito da fórmula utilizada pelo legislador no artigo 34, §2º, III, a ausência da previsão da conduta omissiva no referido conceito enseja dúvida sobre o intento do legislador em puni-la. Para alguns, haverá possibilidade de, por analogia, suprir a lacuna legislativa involuntária; para outros, qualquer extensão o seria in malam partem.

Muito menos indica-se que essa prática se restrinja ao escritório profissional do referido advogado. Conquanto haja limitação a ocorrer no exercício profissional ou em razão dele, pode incidir quando a vítima for agentes públicos, magistrados, delegados e policiais ostensivos, desde que possam atingir o ambiente profissional em que labutam. Até porque o artigo 44 do Código de Ética da Advocacia assevera:

“Deve o advogado tratar o público, os colegas, as autoridades e os funcionários do Juízo com respeito, discrição e independência, exigindo igual tratamento e zelando pelas prerrogativas a que tem direito.”

Citamos, como exemplo, a conduta do advogado que, quando comparece a audiências em determinada Vara Criminal, profere ofensas pessoais ao magistrado respectivo, desestabilizando-o pelas palavras aviltantes proferidas, causando deterioração daquele ambiente profissional.

Tal dispositivo visa claramente reforçar a necessidade do advogado atender a um dos pilares do exercício de sua profissão, que é a atuação com urbanidade, que nada mais é que a garantia de que o trato com terceiros deve se dar de forma amistosa, independente da beligerância existente na contenda em julgamento. No Código de Ética da Advocacia, esse tema compõe o Capitulo VI, que prevê expressamente tal dever.

Do assédio moral e a plenitude de defesa
Há se ponderar sobre a plenitude de defesa do júri e os debates mais acirrados no âmbito do plenário.

Acreditamos não ser razoável incidir a referida infração, quando o exercício profissional é realizado em face do imperativo constitucional de plenitude da defesa (artigo 5º, inciso XXXVIII, CF). Até porque, nesse caso, o objetivo do advogado não é excluir ninguém de suas funções ou de desestabilizá-los emocionalmente, mas sim promover a mais pujante defesa de seu cliente.

Parece claro que tal dispositivo não incide sobre condutas tomadas durante o calor do debate, como em audiências, sustentações orais ou mesmo no Tribunal do Júri, onde o uso de expressões por vezes entendidas como fortes não podem ser impedidas, sob pena de cercear o próprio direito de defesa do constituinte.

Aliás, a imunidade que o advogado possui deve estar dentro de sua atuação e só é defensável quando decorrer do exercício da atividade, do momento, da necessidade de sua atuação (REsp 1.731.439).

Dessa forma, a novel norma não impede o exercício legítimo de defesa, mas contribui para a prevenção dos excessos, da falta de zelo e de decoro.

Assédio sexual: conceito e diferenças
Nota-se que o conceito de assédio sexual da Lei nº 14.612/2023 não traz os mesmos contornos do tipo penal do artigo 216-A do Código Penal.

“Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.“

Na definição dada pela Lei nº 14.612/2023, é prescindível a ascendência inerente a emprego, cargo ou função. Até porque o legislador equiparou a “proposta unilateral” à “imposição contra a vontade do assediado(a)”. Vejamos:

“art. 34, §2º, II – assédio sexual: a conduta de conotação sexual praticada no exercício profissional ou em razão dele, manifestada fisicamente ou por palavras, gestos ou outros meios, proposta ou imposta à pessoa contra sua vontade, causando-lhe constrangimento e violando a sua liberdade sexual; (Incluído pela Lei nº 14.612, de 2023)

Por isso a figura insculpida como infração ético-disciplinar é um tipo de mescla normativa entre a importunação sexual (artigo 215-A do CP) e o delito de assédio sexual (artigo 216-A).

Outro ponto digno de nota é que não há mais distinções quanto à condição da vítima, que pode ser homem, mulher, transgêneros etc.. O(A) próprio(a) advogado(a) pode ser vítima.

Novamente, a despeito da fórmula utilizada pelo legislador no artigo 34, § 2º, III, a ausência da previsão da conduta omissiva no referido conceito enseja dúvida sobre o intento do legislador em puni-la. Para alguns, haverá possibilidade de, por analogia, suprir a lacuna legislativa involuntária; para outros, qualquer extensão o seria in malam partem.

Ao contrário do assédio moral, percebam que o sexual não se requer repetição ou habitualidade, sendo suficiente uma única conduta.

Caminha perigosamente o legislador quando usou a expressão “conotação sexual”, o que pode abrir um leque interpretativo arriscado. O uso da referida terminologia açambarca condutas como olhares invasivos, insinuações gestuais ou mesmo galanteios informáticos, desde que, com envergadura sexual, lançados por profissionais da advocacia no ambiente profissional ou em razão dele.

Prática de discriminação e o indevido elastério conceitual
Nesse ponto, podemos afirmar que a redação legislativa foi imprecisa. O legislador poderia ter se utilizado de fórmula consagrada em leis de regência (a exemplo da Lei nº 7.716/89, que foi recentemente alterada pela Lei nº 14.532/2023), a qual vincula a conduta indesejada a motivo ou em razão de raça, cor, etnia, procedência nacional etc.. Ao revés, optou por uma redação diferente e bem mais aberta.

“art. 34, §2º, III – discriminação: a conduta comissiva ou omissiva que dispense tratamento constrangedor ou humilhante a pessoa ou grupo de pessoas, em razão de sua deficiência, pertença a determinada raça, cor ou sexo, procedência nacional ou regional, origem étnica, condição de gestante, lactante ou nutriz, faixa etária, religião ou outro fator. (Incluído pela Lei nº 14.612, de 2023)

A utilização da expressão “outro fator” criou um indefinido mecanismo de interpretação analógica. Até porque o legislador já tinha sido exaustivo na disciplina de múltiplas (e pouco homogêneas) situações de possível incidência conceitual; afinal, até a condição de “nutriz” havia sido mencionada.

E a utilização da expressão “outro fator” também serve para colocar em risco os advogados em face de situações típicas e normais de sua atividade profissional, a exemplo de recusas profissionais, ou seja, quando deixarem de aceitar determinadas causas.

A suspensão disciplinar como regra
A jurisdição disciplinar não exclui a comum e, quando o fato constituir crime ou contravenção, deve ser comunicado às autoridades competentes, nos termos do artigo 71 do Estatuto da OAB.

Esse mecanismo acaba reforçando a natureza subsidiária e autônoma do Direito Penal, vez que alcança somente àquelas infrações disciplinares mais graves.

Por isso pareceu muito razoável que tenha havido uma gradação no que tange às sanções administrativas desenhadas na Lei nº 14.612/2023.

Perceba-se que, nos termos do artigo 37, inciso I, a prática de assédio moral, assédio sexual ou discriminação (inciso XXX do artigo 34 do EOAB) sujeita o advogado infrator, em regra, à pena de suspensão, a qual promove a sua interdição do exercício profissional, em todo o território nacional, pelo prazo de trinta dias a doze meses (§ 1º do artigo 37).

O disposto acima, contudo, não afasta a possibilidade de as condutas definidas no § 2º do artigo 34 também se amoldarem a infrações penais. Claro que, nesse caso, a essência conceitual do Estatuto da OAB cede espaço para uma análise mais centrada nas elementares dos tipos penais correlatos.

Importante salientar ainda a independência de instância entre a apuração criminal e a aplicação da sanção disciplinar, ou seja, o processo no âmbito administrativo não fica paralisado aguardando a análise da matéria penal e nem o contrário. Os dois, inclusive, podem correr em paralelo e serem objeto de compartilhamento de provas, desde que garantido o sigilo daquilo que é colhido no âmbito correcional interno da OAB[2].

Dessa forma, a suspensão do exercício profissional é a pena-régua fixada pelo EAOAB, que pode ainda ser aumentada em casos de maior gravidade.

Crimes infamantes e a pena de exclusão

Sabido que a regra é a aplicação da suspensão, quando é que tais condutas podem conduzir o advogado à exclusão?

A resposta passa por saber quando o crime perpetrado pode ser considerado “infamante”. Isso porque, no caso de crime infamante, a pena administrativa não é mais a de suspensão, mas sim a de exclusão.

“Art. 38. A exclusão é aplicável nos casos de: II – infrações definidas nos incisos XXVI a XXVIII do art. 34. XXVIII – praticar crime infamante.” (EOAB)

Não existe um conceito legal acerca dos crimes ditos “infamantes“, o que traz alguma dificuldade e incerteza nesse caso.

Além disso, o conceito de crime infamante não se restringe ao leque de interesse do EOAB, pois tal nomenclatura é utilizada em outros importantes diplomas legais brasileiros. O artigo 1573 do Código Civil é um exemplo disso.

Nesse caso devem ser considerados infamantes os delitos graves e que, necessariamente, repercutem contra a dignidade da advocacia, atingindo e prejudicando a imagem dos profissionais que se pautam na retidão dos preceitos ético-profissionais.

Fato é que a doutrina costuma restringir exemplos de crimes infamantes a infrações como estelionato, apropriação indébita, furto, corrupção ativa ou passiva.

Mas não há nada que amarre a aplicação desse conceito aos crimes com fundo patrimonial; na verdade, infrações de cunho discriminatório, sexual ou moral aceitam ainda melhor esse rótulo. O que importa é evidenciar se a honradez e pundonor da referida categoria profissional foram colocados em risco.

Por isso, essa classificação não se restringe a um juízo objetivo por parte do legislador ou mesmo esteia-se em um complemento normativo alhures. Trata-se de conceito aberto, normativo, que se ampara numa análise axiológica sobre a aptidão lesiva da conduta a um padrão estabelecido na referida categoria profissional.

Em outras palavras, a referida definição funda-se no habitus tão bem preconizado por Pierre Bourdieu. Conceitua-o como uma matriz cultural que predispõe os indivíduos a fazerem suas escolhas e aceitá-las. Não se afirma que crimes são fomentados na e pela Advocacia; contudo, o que é considerado infamante aos preceitos mais caros da classe pode sê-lo.

[1] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=28692

[2] Nesse sentido, julgado do Conselho Federal da OAB: RECURSO N. 49.0000.2016.000140-2/OEP.
Fonte: Consultor Jurídico

 

STF estipula regras para o pagamento do piso salarial da enfermagem

Publicado em 5 de julho de 2023

O Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu na última sexta-feira (30/6) o julgamento sobre o piso salarial da enfermagem. Em sessão virtual, a corte referendou a decisão que liberou o pagamento e a complementou com detalhes da implementação das regras para cada modalidade de contratação dos profissionais.

A decisão em questão foi proferida pelo ministro Luís Roberto Barroso no dia 15 de maio. Na ocasião, ele revogou sua própria liminar anterior, que suspendia o piso.

Histórico
O piso foi criado em agosto do último ano pela Lei 14.434/2022. No mês seguinte, Barroso suspendeu a norma por constatar sinais de demissões e piora na prestação de serviços públicos.

Mas, no dia 11 de maio, foi sancionada a Lei 14.581/2023, que abriu crédito especial de R$ 7,3 bilhões no orçamento do Fundo Nacional de Saúde para garantir aos estados e aos municípios o pagamento do piso nacional da enfermagem. Com base nisso, Barroso logo proferiu sua segunda decisão.

“A medida cautelar deferida nestes autos cumpriu parte do seu propósito, já que mobilizou os Poderes Executivo e Legislativo a destinarem os recursos necessários para custeio do piso salarial pelos entes subnacionais e entidades filantrópicas”, disse o ministro.

Em seguida, o caso foi levado ao Plenário Virtual. Após pedidos de vista, complementos de votos e divergências parciais quanto a vários pontos, a corte finalmente proclamou o resultado do julgamento na segunda-feira (3/7). O entendimento vencedor foi o de Barroso e do ministro Gilmar Mendes, que apresentaram o primeiro voto conjunto da história do STF.

Definição
A corte estipulou a implementação do piso conforme as regras da Lei 14.434/2022 em relação aos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

Já com relação aos servidores dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e de suas autarquias e fundações, além dos profissionais contratados por entidades privadas que atendam ao menos 60% de seus pacientes pelo SUS, o pagamento da diferença remuneratória depende da disponibilização de recursos complementares da União.

Caso o governo federal não consiga prestar tal assistência financeira, precisará providenciar crédito complementar. A fonte para isso serão os recursos obtidos a partir do cancelamento do pagamento de emendas parlamentares individuais ao projeto de lei orçamentária destinadas a ações e serviços públicos de saúde, ou de outras emendas, como as de relator-geral do orçamento — o chamado orçamento secreto. Se a União não providenciar tal crédito, os estados e municípios não precisarão efetuar o pagamento.

Ainda com relação aos servidores de tais entes, assim que os recursos suficientes forem disponibilizados, o pagamento do piso salarial deve ser proporcional nos casos de carga horária inferior a oito horas diárias ou 44 horas semanais.

Por fim, em relação aos profissionais das empresas privadas, deve haver uma negociação coletiva entre as partes antes da implementação do piso salarial, devido à preocupação com demissões em massa ou prejuízos para os serviços de saúde. Se não houver acordo, valerão as regras da Lei 14.434/2022, desde que tenham se passado 60 dias da data de publicação da ata de julgamento.

Divergências
Uma corrente vencida foi inaugurada pelo ministro Dias Toffoli e contou com a adesão dos ministros Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Kassio Nunes Marques. Eles acompanharam a maioria da fundamentação de Barroso e Gilmar, mas propuseram alguns ajustes.

Com relação aos profissionais de empresas privadas, os ministros sugeriram a implementação do piso de forma regionalizada, com negociação coletiva nos diferentes territórios. Caso a negociação não tivesse sucesso ou os serviços fossem paralisados momentaneamente por qualquer uma das partes, a ideia era que a questão pudesse ser judicializada.

Conforme tal corrente, a possibilidade de redução da remuneração proporcional à jornada de trabalho valeria tanto para os celetistas quanto para os estatutários.

Por fim, os quatro ministros recomendaram que as regras voltadas aos servidores públicos dos estados e municípios também valessem para profissionais de entidades do terceiro setor vinculadas juridicamente ao ente público.

Outra corrente divergente foi inaugurada pelo ministro Edson Fachin e acompanhada pela ministra Rosa Weber, presidente do STF. Para eles, a implementação do piso nacional deveria ocorrer conforme a lei para todas as situações concretas.

Clique aqui para ler o voto de Barroso e Gilmar
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ADI 7.222
Fonte: Consultor Jurídico
 
 


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