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Gestão: Pessoas e Trabalho – 82

20 de junho de 2024
Informativo
Justiça comum passa a julgar processos de pejotização

Publicado em 18 de junho de 2024

Com base em recente decisão do STJ, tribunais trabalhistas deixam de analisar alegações de fraude em contrato.

Decisões recentes da Justiça do Trabalho têm remetido processos sobre pejotização para a Justiça comum. Os magistrados têm fundamentado o entendimento nas reclamações julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – que admitem várias formas de contratação – e em julgamento de fevereiro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão estabelece que a Justiça comum deve analisar a alegação de fraude em contratos de prestação de serviço.

Nessas situações, a Justiça comum checa se há a existência de ilegalidade no contrato e somente se houver fraude, algum vício de consentimento, o processo será remetido à Justiça do Trabalho para se verificar a existência do vínculo de emprego.

Já existe posicionamento nesse sentido em pelo menos cinco Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs): de São Paulo, Campinas e região (interior paulista), Paraná, Minas Gerais e Alagoas.

Algumas dessas decisões citam julgamento da ministra do STJ Nancy Andrighi. A magistrada analisou o pedido de vínculo empregatício de uma contratada autônoma com uma empresa de comércio e locação de contêineres. A contratada alegava existir fraude em sua contratação como autônoma e pedia uma indenização no valor de R$ 80 mil em razão de um acidente de trabalho sofrido.

Segundo a ministra, não é possível analisar o pedido de vínculo de emprego e de indenização por acidente de trabalho sem antes verificar a validade do contrato de prestação de serviços. “A causa de pedir está lastreada fundamentalmente na existência de má-fé da empresa na entabulação do contrato originário, de modo que é inviável decidir o pleito principal de reconhecimento de vínculo empregatício sem se imiscuir na causa de pedir deduzida na ação (alegação de fraude)”, escreveu.

Nancy reconheceu a competência da Justiça comum estadual para julgar a demanda. Segundo a decisão, só após reconhecimento de “eventual vício de consentimento ou social, com anulação do negócio jurídico preexistente” seria possível pleitear na Justiça do Trabalho o reconhecimento do suposto vínculo de emprego (conflito de competência Nº 202726 – SP).

Com base nesse julgamento, a 9ª Turma do TRT de São Paulo, determinou, por maioria, que uma discussão entre uma trabalhadora e uma empresa de educação fosse encaminhada à Justiça comum. No caso, a trabalhadora apresentou recibos de pagamento que seriam

relativos a serviços esporádicos. O relator, desembargador Sérgio José Bueno Junqueira Machado, citou a decisão da ministra Nancy e declarou de ofício a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar o processo.

Entendeu que “apenas após reconhecido eventual vício de consentimento ou social, com a consequente anulação do negócio jurídico preexistente, é que haverá a possibilidade de se pleitear, perante a Justiça do Trabalho, o reconhecimento do alegado vínculo empregatício” (processo nº 1001640-42.2022.5.02.0075).

A 4ª Turma do TRT de Minas Gerais também deu decisão unânime, em abril, para reconhecer de ofício a incompetência da Justiça do Trabalho para analisar pedido de vínculo empregatício de uma prestadora de serviços médicos com uma clínica (processo nº 0011301-72.2022.5.03.0095).

O relator, desembargador Delane Marcolino Ferreira, também citou decisão da ministra Nancy Andrighi. Para ele, “é inviável decidir o pleito principal de reconhecimento de vínculo empregatício sem se imiscuir na causa de pedir deduzida na ação [alegação de fraude].”

Os desembargadores também remetem os processos para a Justiça comum com base no entendimento firmado nas reclamações julgadas pelo Supremo. É o caso, por exemplo, de julgamento unânime, ocorrido na 10ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com sede em Campinas.

“Exercício da liberdade de escolha passou a ser visto com outros olhos”

O relator, desembargador Ricardo Laraia, ao analisar o pedido de vínculo de uma prestadora de serviços com um banco, destacou que a maioria dos ministros do STF, com exceção de Flavio Dino e Edson Fachin, já têm entendimento firmado de que esses casos devem ser remetidos para a Justiça comum.

De acordo com a decisão, “somente se a Justiça Estadual decidir que a fraude ocorreu, é que cabe à Justiça do Trabalho examinar o pedido de declaração da existência da relação de emprego” (processo nº 0010322-81.2021.5.15.0008).

Análise

Segundo a advogada Mayra Palópoli, do escritório Palópoli & Albrecht Advogados, no decorrer deste ano, houve um sensível aumento de decisões da Justiça do Trabalho, reconhecendo sua incompetência absoluta para julgar processos em que se discute a fraude na contratação e se haveria vínculo de emprego.

Para a advogada, essas atuais decisões da Justiça do trabalho são acertadas porque acompanham entendimento predominante no Supremo, de que são lícitas formas de trabalho distintas da relação de emprego. “Garante-se a autonomia da vontade das partes e a liberdade de iniciativa empresarial”, diz.

Para a advogada Thereza Cristina Carneiro, sócia do escritório CSMV Advogados, desde a reforma trabalhista e alterações legislativas ocorridas em 2017, houve, sem dúvida, uma busca da valorização da autonomia da vontade das partes.

“Apesar de poderem estar numa relação de trabalho protegida pelas regras do vínculo empregatício, o exercício da liberdade de escolha em relação à forma e como se pretende vincular passou a ser visto com outros olhos”, diz.

Quando a discussão nasce na Justiça do Trabalho, segundo a advogada, já se parte da presunção de nulidade do contrato firmado quando a pessoa física, titular de uma empresa, ajuíza a ação trabalhista requerendo a nulidade do contrato e reconhecimento de vínculo direto.

A Justiça Cível, segundo Thereza, tende a partir da presunção de validade do contrato firmado, desde que o contrato atenda a todos os requisitos da legislação. “Na Justiça do Trabalho, parte-se da presunção de fraude do contrato firmado e, pior, muitas vezes de forma totalmente independente da análise da capacidade e da liberdade de contratação”.

Já na opinião da professora da PUC-SP e advogada trabalhista Fabíola Marques, do escritório Abud Marques Sociedade de Advogadas, as decisões podem gerar confusão.

De acordo com ela, o artigo 114 da Constituição Federal é claro ao dizer que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas das relações de trabalho de forma ampla, não limitada às relações de emprego.

“A necessidade de reconhecimento de uma violação na relação contratual existente entre as partes pela Justiça comum inverte completamente a ordem natural da relação, já que a Justiça do Trabalho é a única que pode reconhecer se há fraude na relação contratual e, consequentemente, afirmar se existe ou não uma relação de emprego”, avalia.
Fonte: Valor Econômico
 
 


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