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14 de maio de 2019
Informativo
STF decidirá este ano se é crime não recolher ICMS declarado

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar neste ano o recurso contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que considerou crime não pagar ICMS declarado. Foi o que indicou ontem o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, durante audiência pública sobre o assunto.

Após a audiência pública, o ministro afirmou ao Valor que pretende elaborar o voto e sugerir ao presidente Dias Toffoli que o processo seja pautado ainda no primeiro semestre. Há algumas sessões do Plenário com a pauta liberada para temas urgentes. Mas Barroso considera "mais realista" pensar no segundo semestre.

A tese é relevante para empresários e governos estaduais. Alguns Estados, como Santa Catarina, já adotam a tese. Outros, como São Paulo, estudam sua aplicação. O número de pessoas que podem ser atingidas pela criminalização dessa conduta nesses dois Estados pode superar 200 mil, segundo afirmou o defensor público Thiago Campos, de Santa Catarina. Já a subprocuradora-geral da República, Cláudia Sampaio Marques, disse que esse número mostra quantas pessoas sonegam ICMS.

O tema foi julgado no STJ em agosto do ano passado. Por maioria, a 3ª Seção negou um pedido de habeas corpus de um casal de empresários de Santa Catarina que não pagaram valores declarados do tributo. A prática foi considerada apropriação indébita tributária, com pena de seis meses a dois anos de prisão, além de multa. No pedido, os empresários alegam que estão sendo processados criminalmente por mera inadimplência fiscal, sem fraude, omissão ou falsidade de informações.

Na audiência pública, participaram representantes de diversas entidades, como Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Fecomercio-SP e Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), além de tributaristas e criminalistas. "É uma questão complexa, a ponto de colocar em lados opostos dois dos principais e mais reverenciados ministros do STJ, o ministro Rogério Schietti e a ministra Maria Thereza de Assis Moura", afirmou o ministro Luís Roberto Barroso no início da audiência pública.

O ministro, durante o evento, fez algumas ponderações e questionamentos a advogados após as sustentações. Para ele, não há dúvida de que a criminalização auxiliaria na arrecadação. Mas resta saber, acrescentou, se o ganho em arrecadação compensa a perda com a exacerbação do direito penal.

Em outro momento, Barroso questionou o tributarista Kiyoshi Harada, que representa a Fecomercio-SP sobre uma solução alternativa, que afastaria a criminalização e atenderia ao interesse do Fisco. O ministro sugeriu que, no momento do pagamento de uma compra, o sistema já direcione o que é do comerciante e o que é do Fisco, evitando a criminalização.

No final da audiência, Barroso afirmou que há uma distorção no sistema tributário, que é a cobrança sobre o consumo. "Eu e meu caseiro pagamos o mesmo tributo", afirmou.

Para ele, a exacerbação do direito penal parece não ser um caminho ideal, nas circunstâncias do Brasil. Mas, ponderou, o não recolhimento tributário faz mal ao país de forma geral e cria vantagens competitivas para quem não é correto.

O advogado Gustavo Amorim, que representa os empresários catarinenses, citou, na audiência pública, um precedente contrário à criminalização, julgado pelo STF em 1971 (RHC 67.688/DF). "Até hoje sempre partimos da premissa de que salários são a primeira obrigação do dirigente de uma empresa. A partir do momento que passa a ser crime a inadimplência tributária, vamos nos sentir obrigados, na prática, a rever esse princípio."

O procurador do Estado de Santa Catarina, Giovanni Andrei Franzoni Gil, afirmou que a dívida já chega a R$ 700 mil e citou precedentes do STF envolvendo tributo português. Para a subprocuradora geral da República, Cláudia Sampaio Marques, não se trata de mera inadimplência civil. "Há dolo gravíssimo na conduta", afirmou.

Apesar da audiência pública, não há previsão de quando o processo será julgado no Supremo (RHC 163.334). Entre os advogados, há pressa. A decisão do STJ já surtiu efeitos. Foram tomadas, na Corte, 111 decisões desde o precedente da 3ª Seção para retomar as ações penais, segundo o advogado Alexandre Ramos, da Fiesp.
Fonte: Valor Econômico

 

O ICMS não pago e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no julgamento do habeas corpus 399.109/SC, que o não pagamento de ICMS caracteriza retenção de imposto cobrado de terceiro e, assim, espécie de apropriação indébita tributária prevista no artigo 2º, II, da Lei 8.137/90.

Causou espanto o julgamento não apenas pelo inusitado entendimento, mas também porque no caso os réus eram pessoas simples, que haviam deixado de recolher alguns poucos milhares de reais, e eram defendidos pela valorosa Defensoria Pública de Santa Catarina.

O caso seguiu para o Supremo Tribunal Federal, no RHC 163.334, de relatoria do ministro Roberto Barroso, onde deverá ser julgado pelo Plenário da Corte.

Diversos autores já escreveram com profundidade e proficiência sobre o tema, de modo que não se pretende aqui revisitar toda a problemática jurídica envolvida, mas apenas sob enfoque da jurisprudência do STF.

De fato, desejando a Suprema Corte manter coerência com a jurisprudência construída ao longo de anos acerca da sistemática do ICMS, deverá rever a decisão do STJ, e julgar que é atípica do ponto de vista penal a conduta de declarar e não pagar o imposto.

Vejamos:

Como se sabe existem duas formas de apropriação indébita tributária, a via desconto (apropriação indébita previdenciária e artigo 337-A), e aquela feita mediante cobrança adicional (substituição tributária no ICMS).

No desconto, o empresário retém do pagamento que precisa fazer a alguém a parte do imposto (apropriação indébita previdenciária prevista no artigo 168-A).

Já na cobrança, como ocorre na ICMS por substituição tributária, além do preço do produto, no qual estão embutidos os impostos próprios, há uma cobrança separada a título de imposto.

É por isto que o inciso II prevê as duas formas ao estabelecer que configura crime “deixar de recolher no prazo legal valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação tributária…”

A grande controvérsia quando se discute se há ou não apropriação indébita no não pagamento do ICMS próprio é se o valor recebido pelo contribuinte na operação é imposto ou preço.

Sim, porque enquanto no ICMS-ST não há dúvida de que o empresário cobrao imposto em nome do fisco, no ICMS próprio, como o próprio nome diz, o contribuinte é ele mesmo.

Nem a obrigação de destacar na nota é suficiente para desnaturar o caráter de preço do valor e a condição de contribuinte próprio do vendedor ou prestador de serviço.

Afinal, pela inteligência do artigo 13, parágrafo 1º, I da Lei Complementar 87/96, o destaque na nota constitui mera indicação para fins de controle.

Na devolução da mercadoria fica ainda mais evidente que o ICMS destacado não pertence ao estado, pois, em alguns estados, não deve constar na nota de devolução a alíquota ST, mas apenas o ICMS próprio.

Como, por pura lógica, o empresário só pode devolver o que está na sua esfera de disponibilidade, e como não só pode, como deve devolver o ICMS próprio, é porque o valor destacado na nota lhe pertence e não ao fisco.

A tese do acórdão do STJ tampouco encontra guarida no precedente do STF, proferido no RE 574.706, do STF, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, no qual se assentou que o valor do ICMS não integra a base de cálculo da Cofins, porque não é receita, mas mero “trânsito contábil”.

A expressão “trânsito contábil” levou parte da doutrina a concluir, portanto, que ICMS declarado e não pago configura apropriação. Na judiciosa análise de Eisele em artigo publicado na ConJur, o precedente seria a pá de cal, o tiro de misericórdia na tese de que no ICMS próprio “compõe o preço da operação e configura propriedade do vendedor”.

Ocorre que nem mesmo este precedente permite precipitar tal conclusão por alguns motivos:

Primeiro, porque o acórdão do STF se baseia em outros fundamentos como já assentado há mais tempo no RE 240.785 do STF, de que “tributos não devem compor a base de cálculo para incidência de outros tributos”, e também na ideia de que não se permite a inclusão na base de cálculo de receita de terceiros, como é o caso do ICMS, de competência dos Estados.

Segundo, porque o STF argumentou que o valor recebido pelo vendedor configura “trânsito contábil”, que é conceito abstrato, próprio do direito tributário, o qual, a nosso ver, não permite deduzir, de pronto, comportamento humano configurador de apropriar de valores pertencentes, conduta humana muito mais complexa, que é o que importa ao direito penal.

Até porque o artigo 2º, inciso II, prevê conduta real e não mera realidade contábil. Veja por exemplo que se o empresário vende, mas não recebe o valor da venda, há registo contábil, mas não o trânsito efetivo de valores, logo, não haverá o crime sequer no tocante à substituição tributária. Prova de que o tipo penal não se compraz da mera ficção contábil.

De mais a mais, a exclusão do ICMS do Cofins só parece possível quando o imposto estadual é pago. Sem recolhimento do ICMS, parece óbvio que não vale a regra sufragada no precedente. Sendo assim, então, ao incluir na base de cálculo do PIS e da Cofins o ICMS não pago, a União estaria sendo cúmplice da apropriação dos valores pertencentes ao Estado federado?

Não parece fazer sentido.

Contradição, no entanto, haverá mesmo se a Corte decidir que o não pagamento de ICMS configura crime, pois aí sim estaria infirmando seu próprio entendimento, sedimentado no julgamento do RE 608.872/MG, quando deixou de reconhecer imunidade de ICMS para entidades filantrópicas na aquisição de bens ou serviços, justamente sob o fundamento de que o valor pago é preço e não tributo.

Como desfrutam de imunidade tributária, as aludidas entidades pretendiam que fosse excluído o valor do imposto de todas as mercadorias e serviços que adquirem ou contratam. Ou melhor, o pleito era no sentido de que pudessem adquiri-los com o desconto do imposto. Ao dizer que isto não era possível, pois o ICMS destacado na nota não configura pagamento do imposto, o STF colocou fim à discussão. O ICMS destacado é preço, e não tributo.

Assim, não há dúvida de que, à luz do entendimento cristalizado na jurisprudência do STF, o não recolhimento do tributo incidente sobre a operação representa mera dívida fiscal e não apropriação indébita tributária.

Sendo assim, por qualquer ângulo que se analise a questão, o entendimento sufragado pela 3ª Seção do STJ é não apenas tecnicamente equivocado — pese todo respeito e admiração rendidos aos ministros que a compõem — mas sobretudo injusto por criminalizar a mera dívida fiscal, mecanismo que, no afã de suprir a falência dos instrumentos legais de cobrança, acaba por incentivar a própria a sonegação.

Texto de Autoria de Fábio Tofic Simantob é advogado criminalista.
Fonte: Prince Adonai
 
 


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