A revolta contra o retorno ao presencial
Publicado em 21 de agosto de 2023
Por Pilita Clark
A colunista Pilita Clark comenta que muito do que achamos que sabemos sobre o trabalho remoto está errado.
Na Amazon, eles cruzaram os braços em protesto. Na Starbucks e na Walt Disney, fizeram abaixo-assinados. No Google, exigiram que a empresa repensasse os planos.
Foi assim que os funcionários de algumas das empresas mais conhecidas do mundo reagiram a uma exigência que antes da pandemia teria parecido impensável: trabalhar no escritório três dias por semana. Quatro, no caso da Disney.
De todas as consequências da nova era de trabalho flexível, a que eu menos previa era esse nível de rebelião nas empresas. Não foi, contudo, a única surpresa. Três anos depois de milhões de funcionários terem recebido a ordem de trabalhar em casa, a dúvida sobre onde e quando os funcionários devem trabalhar continua complicada.
Alguns aspectos estão ficando mais claros, a começar pelo afinco com que os trabalhadores estão dispostos a lutar por um benefício que antes da covid-19 era desfrutado por poucos.
Até agora, as estrelas têm sido os sindicatos de funcionários administrativos. Na Austrália, eles conquistaram um acordo de trabalho remoto para milhares de servidores públicos federais que permite dias ilimitados em casa.
Em um dos maiores bancos do país, os sindicatos também garantiram o direito de trabalhar em casa e estão contestando outro banco por uma regra que obriga os funcionários a passarem pelo menos metade de suas horas de trabalho mensais no escritório.
São disputas que podem se tornar problemáticas.
No início deste ano, mais de 150 mil servidores federais do governo canadense entraram em greve por quase duas semanas, em protesto contra os salários e as regras de retorno ao escritório. No fim das contas, não conseguiram o direito de trabalhar em casa.
Também está se tornando mais claro que o remoto não prejudica a produtividade. Pesquisas fundamentadas sinalizam que a força de trabalho totalmente remota pode ser cerca de 10% menos produtiva do que uma totalmente presencial, mas as perdas podem ser compensadas pelas economias relativas ao custo do espaço de escritório e à possibilidade de contratar funcionários em qualquer lugar do mundo por salários locais mais baixos. O trabalho híbrido, contudo, parece ter impacto zero ou positivo no desempenho.
Da mesma forma, a reação contrária dos empregadores ao remoto não é tão drástica quanto se poderia supor a partir das histórias de empresas como BlackRock e Citigroup.
Passados três anos do início da pandemia, muitos prédios de escritórios nas grandes cidades dos EUA estão com apenas metade do espaço ocupado em comparação a 2019. E mesmo quando os trabalhadores voltam ao escritório, eles não ficam tanto tempo quanto antes.
Se isso não parece condizer com a impressão geral, pode ser porque não se ouve falar sobre empresas como a Allstate, de seguros e com cerca de 57 mil funcionários que permite que 82% deles nos EUA trabalhem remotos.
Por fim, está a grande surpresa sobre o tipo de países onde o remoto está decolando. Pesquisadores como Nicholas Bloom, economista em Stanford, imaginavam que veriam um padrão rico-pobre, no qual os níveis de trabalho remoto seriam mais altos nos de maior renda e mais baixos nos de menor renda.
No entanto, no que se refere a países, os dados indicam que o idioma faz mais diferença, e não a renda. Uma pesquisa de Bloom e outros autores mostra que os níveis de trabalho remoto são superiores em países de língua inglesa: EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Nos cinco países, o nível foi maior do que em outros países também ricos, mas sem língua inglesa, como Japão, França e Itália. “Isso não é o que prevíamos”, contou-me Bloom.
Então, o que explica a diferença? “Não sabemos”. Há muitas teorias. Casas mais espaçosas nos EUA poderiam estar tornando o remoto mais fácil do que nos apartamentos apertados na Europa Setentrional ou na Ásia. Países asiáticos controlaram a covid-19 mais rápido, tiveram lockdowns curtos e, assim, tiveram menos tempo para experimentar o remoto.
Eu acho outra teoria mais convincente: as empresas americanas são melhores em medir e avaliar o desempenho, por isso estão mais cômodas em relação a quem trabalha em casa. Isso é relevante.
Embora as práticas de gestão dos EUA costumem ser replicadas mais rapidamente em outras nações de língua inglesa, depois também se espalham para outros países. Essa é uma das razões pelas quais Bloom acredita que, mesmo que os níveis de trabalho remoto possam diminuir, eles eventualmente aumentarão, seguindo uma curva como a do logotipo da Nike.
A disseminação da tecnologia é outro fator, assim como o número de startups totalmente remotas. Além disso, governos que querem combater o declínio populacional estão acordando para os méritos do remoto, que é mais popular entre os pais com filhos pequenos.
Uma recessão mundial poderia mudar isso, da mesma forma como o pandemia. Enquanto isso, suspeito que Bloom está certo ao dizer: “Acho que o símbolo da Nike é uma aposta bem segura.”
Fonte: Valor Econômico
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