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Gestão: Pessoas e Trabalho – 4

14 de janeiro de 2022
Informativo
O exame toxicológico de empregados sob uma perspectiva trabalhista e da LGPD

Publicado em 13 de janeiro de 2022

Por Decio Sebastião Daidone Junior, Karin Klempp Franco e Luiz Fernando Plastino Andrade

O exame toxicológico é tratado dentro da Lei do Motorista (Lei nº 13.103/2015), que aditou a CLT, artigo 168, parágrafo 6º e 7º [1], regulamentado pela Portaria MTPS nº 116, de 13 de novembro de 2015.

A previsão é clara para tratar da atividade de motorista profissional, latu sensu, tendo sido utilizados dois princípios básicos como fundamento: 1) preservar a integridade física do motorista que atua em atividade de risco; e 2) evitar risco a terceiros e zelar pela saúde da coletividade.

A depender da atividade realizada e o local, um terceiro fundamento seria evitar também um dano ambiental.

Para além da profissão de motorista, a jurisprudência vem se utilizando desses fundamentos para decidir ser possível a exigência do exame toxicológico como procedimento pré-admissional. A análise se fará sobre a existência de nexo de potencial risco entre a atividade e o seu operador, e perante terceiros e o meio ambiente.

Destaca-se que, para o desempenho de uma função perigosa, o trabalhador deve estar em perfeitas condições físicas e psíquicas, principalmente quanto aos reflexos.

Nesse contexto, a verificação do uso de substâncias entorpecentes prejudiciais ao organismo não traria qualquer vexame, tampouco acarretaria invasão de sua intimidade, desde que realizada sem qualquer constrangimento, humilhação, exposição, coação ou negligência por parte da empresa.

Não se pode deixar de lado nessa análise que os trabalhadores são os maiores interessados na preservação da sua vida e suas ações, incluindo as pré-contratuais, devendo contribuir para evitar os acidentes de trabalho tanto quanto o empregador [2].

Dessa forma, o procedimento da empresa estará pautado no caráter de prevenção, e não de discriminação, em uma conduta cautelar razoável diante da peculiaridade da função e pelos princípios que a justificam.

Nesse ponto, destacamos que os exames toxicológicos são possíveis também diante da nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais — LGPD (Lei nº 13.709/2018). Inspirada na legislação europeia de proteção de dados, essa lei estabelece diversos ônus e obrigações buscando o objetivo final de fomentar o uso controlado e responsável de dados pessoais de forma a evitar danos aos respectivos titulares (no caso, o empregado).

Ela se aplica de forma transversal a todas as relações de Direito público ou privado envolvendo o uso de dados pessoais e não revoga legislação pré-existente, mas estabelece relação dialógica com ela determinando limites ao exercício de direitos e modos do cumprimento de obrigações decorrentes dessas leis.

No caso de exames toxicológicos, entendemos que todo o arcabouço que justifica a realização desses testes, seja pela regulação direta da Lei do Motorista ou pela jurisprudência do TST, também serve de fundamento para o embasamento legal do tratamento de dados pessoais no contexto do exame pela LGPD.

A coleta e o uso de informação a respeito da utilização de entorpecentes é dado relacionado à saúde [3], considerado um dado pessoal sensível pela LGPD [4], de modo que as hipóteses que podem embasar o seu uso são muito limitadas [5].

Contudo, entendemos que a justificativa de exame embasado em dever de prevenção, na linha das autorizações legais e jurisprudenciais já existentes, seria o suficiente para embasar a realização de exames toxicológicos nas hipóteses em que seja estritamente necessária para a proteção da vida e integridade física do próprio empregado e de terceiros [6], no exercício do dever de prevenção de acidentes de trabalho.

Uma vez definido o critério para justificar a realização do exame, a empresa deverá aplicá-lo de forma indiscriminada, ou seja, todos os que pleitearem aquela vaga passarão pelos mesmos procedimentos.

Critérios, motivação, propósitos e linhas gerais do tratamento de dados pessoais envolvidos nos exames devem ser objetivos e acessíveis aos candidatos quando de seu pleito pela vaga, de modo a cumprir com o dever de transparência imposto pela LGPD [7].

A coleta de material deve ser feita da forma menos intrusiva e mais privativa possível, limitando-se as análises ao mínimo necessário para o atingimento adequado de seus propósitos específicos e devendo, também, ser respeitados os demais princípios e obrigações da LGPD para o tratamento legal e legítimo de dados pessoais (e.g. necessidade, adequação, não discriminação, segurança da informação).

________________________________________

[1] “§6.º Serão exigidos exames toxicológicos, previamente à admissão e por ocasião do desligamento, quando se tratar de motorista profissional, assegurados o direito à contraprova em caso de resultado positivo e a confidencialidade dos resultados dos respectivos exames” (Parágrafo alterado pela Lei nº 13.103/2015 — DOU 03/03/2015) (Vide Portaria nº 116/2015 — MPAS / MTE — DOU 16/11/2015).

§7º. Para os fins do disposto no § 6º, será obrigatório exame toxicológico com janela de detecção mínima de 90 dias, específico para substâncias psicoativas que causem dependência ou, comprovadamente, comprometam a capacidade de direção, podendo ser utilizado para essa finalidade o exame toxicológico previsto na Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, desde que realizado nos últimos 60 (sessenta) dias. (Parágrafo alterado pela Lei nº 13.103/2015 – DOU 03/03/2015) (Vide Portaria nº 116/2015 – MPAS / MTE – DOU 16/11/2015).

[2] “Artigo 158 — Cabe aos empregados:

I — observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior;
II — colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo.

Parágrafo único — Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada:
a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior;
b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa.

[3] DIRECTORATE GENERAL FOR INTERNAL POLICIES. Protection of Personal Data in Work-related Relations. Brussel, 2013.

[4] “Artigo 5º – Para os fins desta Lei, considera-se:

I — dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável;
II — dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”.

[5] Assim como na legislação europeia: “The collection of information through drug and alcohol testing is unlikely to be justified unless it is for health and safety reasons”. Cf. [The UK’s] Information Comissioner’s Office. The Employment Practices Code. London, 2011.

[6] “Artigo 11 – O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:

I — quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades específicas;
II — sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for indispensável para:
e) proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro”.

[7] “Artigo 9º – O titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de, entre outras características previstas em regulamentação para o atendimento do princípio do livre acesso:

I — finalidade específica do tratamento;
II — forma e duração do tratamento, observados os segredos comercial e industrial;
III — identificação do controlador;
IV — informações de contato do controlador;
V — informações acerca do uso compartilhado de dados pelo controlador e a finalidade;
VI — responsabilidades dos agentes que realizarão o tratamento; e
VII — direitos do titular, com menção explícita aos direitos contidos no artigo 18 desta Lei”.
Fonte: Consultor Jurídico

 

Proteção do sigilo de infectados por HIV, hepatites, hanseníase e tuberculose

Publicado em 13 de janeiro de 2022

Por Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes

Recentemente, foi publicada a Lei nº 14.289, de 3 de janeiro [1], que torna obrigatória a proteção do sigilo das pessoas infectadas pelo vírus da HIV e por hepatites crônicas, hanseníase e tuberculose.

Segundo as estatísticas globais sobre o HIV em 2021 [2], 37,7 milhões de pessoas no mundo inteiro estavam convivendo o vírus em 2020, sendo que 53% dessas pessoas são mulheres e meninas.

No Brasil, no ano de 2020 foram registrados 32.701 novos casos de HIV, sendo 7,8 mil de gestantes. No período compreendido entre 2007 e 2021, foram comunicados 381.793 casos de contágio no país, sendo 69,8% em homens e 30,2% em mulheres [3].

Entrementes, constatou-se que no país cerca de 694 mil pessoas estão em tratamento contra o HIV, sendo que no ano de 2021 novos 45 mil pacientes iniciaram a chamada terapia antirretroviral [4].

Lado outro, conforme publicado na Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde, em todo o mundo 290 milhões de pessoas vivem com hepatite viral, sem conhecimento de que estão contaminadas [5].

Noutro giro, de acordo com a pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o segundo no ranking mundial em casos de hanseníase, ficando atrás apenas da Índia [6], sendo registrado nos últimos dez anos 312 novos casos [7].

Já em relação à tuberculose, consoante o relatório global da Organização Mundial da Saúde de 2021, houve um aumento das mortes devido a pandemia [8].

Dito isso, a Lei nº 14.289 dispõe em seu artigo 2º, inciso III [9], que é vedada a divulgação de dados que possam identificar a pessoa que viva nessas condições, como, por exemplo, no local de trabalho, sendo obrigatório a preservação do sigilo.

Indubitavelmente, muitas pessoas são discriminadas em razão do seu estado de saúde, principalmente em se tratando das doenças elencadas na nova legislação.

Do ponto de vista normativo, no Brasil a Constituição Federal estabelece em seu artigo 1º, incisos III e IV, como um dos fundamentos da República Federativa a proteção à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Em São Paulo, foi promulgada a Lei nº 11.199, de 12 de julho de 2002, que proíbe a discriminação aos portadores do vírus HIV ou às pessoas com Aids [10].

A Súmula nº 443 do Tribunal Superior do Trabalho dispõe no sentido de que “presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”.

A título de ilustração, em certo processo judicial trabalhista uma empresa foi condenada a pagar indenização por danos morais e a reintegrar um empregado que foi dispensado de forma discriminatória depois de ser diagnosticado com HIV [11].

Ao analisar o conjunto probatório, o magistrado concluiu que a dispensa foi discriminatória, eis que esta teria ocorrido logo em seguida a comunicação do trabalhador à empresa do seu estado de saúde.

Do ponto de vista internacional, a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho [12] veda “qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados”.

A este respeito, oportunos são os ensinamentos de Adriane Reis de Araújo [13]:

“Em resumo, para alcançar a igualdade jurídica, faz-se necessário reconhecer e tratar juridicamente as diferenças entre as pessoas — gênero, etnia, deficiência, ideologia, profissão de fé, entre outros — com a finalidade de calibrar a relação de forças entre os grupos dominantes e dominados, a qual repousa em construções sociais, práticas, tradições e que podem estar consolidadas e reproduzidas por norma jurídica.

A legitimidade de ação afirmativa está na fundamentação densa e consistente, que extrapole a mera alegação, bem como a prova da razoabilidade da diferença a fim de comprovar a não arbitrariedade da medida”.

É cediço que o trabalhador acometido das enfermidades descritas na legislação, além de ter de lidar com tal problema de saúde, geralmente é excluído do mercado de trabalho, dado o preconceito enraizado em nossa sociedade, ou seja, acaba por ser duplamente discriminado.

Frise-se, por oportuno, que, em caso de descumprimento da norma, nos termos do artigo 6º [14] da referida lei, o infrator estará sujeito às penalidades previstas na Lei Geral de Proteção de Dados, assim como indenizações por danos morais e materiais.

Essas sanções administrativas poderão ser as seguintes: a) advertência; b) multa simples; c) multa diária; d) publicização da infração; e) bloqueio de dados pessoais a que se refere a infração; f) eliminação de dados pessoais a que se refere a infração; g) suspensão parcial do funcionamento do banco de dados; g) suspensão do exercício da atividade de tratamento de dados pessoais; e h) proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas a tratamento de dados.

Em que pese a nova legislação torne obrigatória a preservação do sigilo, vale lembrar que as empresas devem assumir o compromisso e lutar contra qualquer tipo de discriminação no ambiente de trabalho, inclusive promovendo ações afirmativas para fins de inclusão social.

Em arremate, não restam dúvidas de que a prática de condutas discriminatórias traz consequências severas a todos os envolvidos, e, por isso, esses hábitos tóxicos devem ser fortemente combatidos, visando a eliminar as desigualdades e garantir uma sociedade mais justa e igualitária.

[1] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14289.htm. Acesso em 11/1/2021.

[2] Disponível em https://unaids.org.br/estatisticas/#:~:text=37%2C7%20milh%C3%B5es%20%5B30%2C,relacionadas%20%C3%A0%20AIDS%20em%202020. Acesso em 11/1/2022.

[3] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/brasil-registrou-327-mil-novos-casos-de-hiv-em-2020-diz-ministerio-da-saude/. Acesso em 11/1/2022.

[4] Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-12/hiv-brasil-tem-694-mil-pessoas-em-terapia-antirretroviral. Acesso em 11/1/2022.

[5] Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/encontrar-os-milhoes-que-faltam-dia-mundial-da-hepatite-2020/. Acesso em 11/1/2022.

[6] Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-01/brasil-e-o-segundo-em-numero-de-casos-de-hanseniase-no-mundo. Acesso em 11/1/2022.

[7] Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-01/brasil-tem-quase-30-mil-novos-casos-de-hanseniase-por-ano. Acesso em 11/1/2022.

[8] Disponível em https://www.paho.org/pt/noticias/14-10-2021-mortes-por-tuberculose-aumentam-pela-primeira-vez-em-mais-uma-decada-devido. Acesso em 11/1/22.

[9] “Artigo 2º — É vedada a divulgação, pelos agentes públicos ou privados, de informações que permitam a identificação da condição de pessoa que vive com infecção pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV) e das hepatites crônicas (HBV e HCV) e de pessoa com hanseníase e com tuberculose, nos seguintes âmbitos: (…). III – locais de trabalho”.

[10] Disponível em https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2002/lei-11199-12.07.2002.html. Acesso em 11/1/2022.

[11] Disponível em https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/trabalhador-dispensado-de-forma-discriminatoria-apos-ser-diagnosticado-com-hiv-sera-reintegrado. Acesso em 12/1/22.

[12] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235325/lang–pt/index.htm. Acesso em 11/1/22

[13] LGPD e Compliance Trabalhista / Adriane Reis de Araujo, et. Al.; Fernanda Perregil (Organizadora), Ricardo Calcini (Organizador) – Leme – SP: Mizuno, 2021. Página 23.

[14] “Artigo 6º — O descumprimento das disposições desta Lei sujeita o agente público ou privado infrator às sanções previstas no art. 52 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, bem como às demais sanções administrativas cabíveis, e obriga-o a indenizar a vítima por danos materiais e morais, nos termos do art. 927 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”.
Fonte: Consultor Jurídico
 
 


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