A pandemia da Covid-19 fez as empresas, rapidamente, incorporarem o trabalho remoto. Com a retomada ao escritório presencialmente, as companhias estão diante do que se convencionou chamar de trabalho híbrido. E, ao que tudo indica, esta nova modalidade veio para ficar.
Mas será que o arcabouço normativo brasileiro está preparado? Indo além, a pandemia também impulsionou empresas internacionais a contratarem no Brasil. Como deve ser essa contratação? Que legislação trabalhista seguir? Tais questões foram debatidas durante painel sobre compromisso social do trabalho em tecnologia da informação, nesta quarta (23/03), no Brasscom TecFórum 2022.
As mudanças ocasionadas pelo confinamento são evidentes. A BRQ, por exemplo, tem 3200 funcionários. Antes da pandemia, os funcionários moravam em dez cidades e, agora, estão espalhados em cerca de 300 cidades, contou Benjamin Quadros, CEO da BRQ e vice-presidente do conselho de administração da Brasscom. “Estamos levando riqueza para o interior do Brasil. São pessoas recebendo o salário de São Paulo e morando no interior; é uma oportunidade de geração de riqueza”, acrescentou o CEO.
Na Capgemini, o cenário é parecido. Luiz Leite, vice-presidente de RH América Latina da Capgemini, explicou que a companhia está vivenciando o efeito de multiplicação de localidades. “Costumávamos contratar gente perto da sede, mas isso acabou e contratamos pessoas no Brasil inteiro. Isso dá oportunidade de inclusão”, disse.
A reforma trabalhista de 2017, destacou o advogado e professor de direito do trabalho Antonio Galvão Peres, pavimentou o caminho para o teletrabalho, colocando regras mínimas para a execução do mesmo. “Com a pandemia, foi o teletrabalho o responsável pela manutenção da produtividade de diversos setores; e tivemos uma proteção legal já prevista para enfrentar este desafio”, argumentou.
Agora — acrescentou o advogado — surgem outros desafios, como, por exemplo, as regras para o trabalho híbrido. “Nossa lei não regulamenta de forma específica o trabalho híbrido.
Daí a importância da negociação coletiva, com os sindicatos, para ter regras claras para o trabalho no modelo híbrido”, explicou. Entre as questões-chave estão a duração do trabalho, da jornada, a necessidade ou não e como fazer reembolso de despesas que o funcionário tem em casa.
Ao mesmo tempo em que as companhias brasileiras conseguem acessar talentos espalhados pelo Brasil inteiro, elas também enfrentam o desafio de fazer a retenção de seus próprios talentos, uma vez que os profissionais de TI brasileiros entraram no radar de empresas de diversos países, justamente pela flexibilidade da localização.
“É um desafio novo e temos de estar preparados e avaliar como será daqui para frente o ambiente de competição. Ele tem de ser justo, com todos atuando com as mesmas regras”, ponderou Leite, da Capgemini.
Pendências trabalhistas do teletrabalho
Na avaliação de Benjamin Quadros, a legislação trabalhista brasileira melhorou após a reforma, ficando mais simples e fácil. “Mas ainda é complexa, dando margem a empresas desavisadas ou de má-fé a fazer coisas erradas, por exemplo, contratar funcionários como PJ, como cooperativa ou empresas internacionais pagando de forma informal, como em Bitcoin”, relatou.
Para o CEO da BRQ, o grande desafio para se ter uma indústria forte é construir todo o ambiente competitivo com as empresas seguindo as regras. O mercado informal, disse, atrapalha a dinâmica competitiva.
No painel, tanto Quadros, como a mediadora Maria Veloso, gerente e conselheira de administração da Olusac, falaram sobre uma pesquisa que está sendo elaborada pela Brasscom — pesquisa Pulso — com objetivo de medir a temperatura do setor. As informações estão começando a serem coletadas e, em breve, sairá um relatório que vai ajudar a entender a dinâmica do mercado brasileiro.
Dados preliminares sobre de onde os trabalhadores estão sendo recrutados apontam que, em janeiro, 70,2% eram de empresas nacionais; 25% de internacional com base no Br e 4% de internacionais sem base no Brasil. Já em fevereiro, os porcentuais mudaram bastante, sendo 44,3% de nacionais; 43% de internacionais com base no Brasil e 12,7% de internacionais sem base aqui.
O advogado Antonio Galvão Peres explicou que, em 2011, houve uma alteração na CLT para deixar claro que existe subordinação jurídica mediante meios telemáticos, de informática, justamente para evitar desvio e tentativa de escapar da legislação trabalhista no Brasil .
“Temos um mercado heterogêneo e uma legislação homogênea. A reforma em 2017 enfrentou um pouco deste problema, mas ainda de forma incipiente. O legislador poderia tratar de forma heterogênea o que é heterogêneo”, avaliou.
Com relação à contratação de brasileiros por empresas estrangeiras, Peres explicou que o local deixou de ser importante para o trabalho, mas ele ainda é importante para o direito do trabalho. “Do ponto de vista internacional, as regras que disciplinam esta matéria são regras que indicam qual é a lei que deve reger os contratos, são regras do direito internacional privado”, disse.
Segundo ele, as regras que se usavam no passado já foram superadas e hoje alguns países admitem regras mistas — por exemplo, mesclando as regras do país da empresa com as do país do trabalhador. De qualquer maneira, a ideia do local ainda é muito importante, ressaltou o especialista em direito do trabalho.
No Brasil, a grande dificuldade é que existe uma lacuna sobre qual modelo seguir. “Há necessidade de uma regulamentação mais clara sobre quais leis seguir, incluindo as questões previdenciárias e fiscais, que também são importantes. Ainda não há clareza quais são as regras que devem reger este quesito”, finalizou.
Fonte: Portal Contábil SC
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