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Dinheiro que vem da PRISÃO

03 de dezembro de 2013
Dinheiro que vem da PRISÃO

Mais de 60% dos detentos trabalham dentro da penitenciária de Joinville e contribuem para GIRAR A ECONOMIA de comunidades de baixa renda.

Não fossem as grades ao redor, a estação de trabalho seria similar a de muitas fábricas da cidade. Os profissionais operam em turnos, vestem uniforme, usam equipamentos de proteção individual e cumprem metas. Ninguém disfarça o orgulho. “Trabalho na Ciser” ou “sou funcionário da Tigre” é como se identificam e se sentem aqueles que operam as linhas de montagem de algumas indústrias instaladas dentro da penitenciária industrial de Joinville.

Lá dentro ocorrem as últimas etapas do processo produtivo. São trabalhos manuais, como acabamentos, encaixes e embalagem de peças. Alguns itens saem direto para exportação, enquanto outros vão para montadoras de veículos de vários pontos do País. Mais de 60% dos 522 internos trabalham pelo menos seis horas por dia, de segunda a sábado.

O movimento econômico é crescente. A soma dos valores que as empresas repassam à penitenciária como pagamento pelo serviço pulou de R$ 154,6 mil na estreia do programa, em 2006, para R$ 2,5 milhões no ano passado. Em quase sete anos, o valor acumulado chega a R$ 9,1 milhões. Os internos ficaram com 75% do total, ou R$ 6,8 milhões, e boa parte da quantia terminou nas próprias comunidades de onde eles saíram.

O diretor da penitenciária, Richard Harrison Chagas dos Santos, conta que a maioria da população carcerária vem de comunidades de baixa renda e não tinha remuneração fixa. Quando um indivíduo é preso, além de todo o desgate emocional, a família ainda adquire novas despesas, como alimentação extra para ele e transporte nos dias de visita.

Mas se o interno trabalha na penitenciária, os parentes passam a ter uma renda fixa, pois o salário vai direto para eles, pois o preso não pode ter acesso ao pagamento diretamente até concluir a pena. Há também quem forme uma poupança para recomeçar a vida. Richard se recorda de já ter entregue cerca de R$ 9 mil para uma única pessoa ao sair da prisão.

Baixa rotatividade

Ao contribuir para a ressocialização dos presos, as empresas conveniadas se beneficiam com a redução de custos e com o comprometimento da mão de obra. O gerente de gestão e pessoas da Ciser, Emerson Branco, observa que, para uma atividade parecida, um profissional dentro da companhia representa um custo de R$ 1,8 mil, enquanto na penitenciária esse valor é de um salário mínimo, de R$ 678.

Como a proporção é de um dia a menos na pena para cada três dias de trabalho, o Estado consegue a liberação de vagas. Já a penitenciária pode usar os recursos do fundo rotativo, que representa 25% do montante, na própria cadeia. Desde 2006, este valor já chega a R$ 2,1 milhões.

A rotina

É possível que a peça que sustenta o encosto de cabeça nos bancos de muitos carros que circulam em Joinville tenha passado pela penitenciária. A indústria de plásticos Nycolplast fornece o componente para várias montadoras do País e mantém um posto avançado de montagem no sistema prisional.

Os internos encaixam os componentes e realizam o acabamento final de forma cuidadosa, com auxílio de estilete e bisturi cirúrgico, ensina o líder do grupo, André Luiz Miranda do Nascimento, de 42 anos.

Além dela, outras 16 instituições públicas e privadas têm contrato de serviço com a penitenciária. O resultado agrada aos clientes. Não há problemas de qualidade ou de entrega. No canteiro de trabalho, como é chamado o posto avançado, o turnover é baixíssimo. O diretor de gestão e pessoas da Ciser, Emerson Branco, diz que, para as mesmas funções, a rotatividade dentro da empresa é de 50% ao ano. Dentro da penitenciária, é de praticamente zero.

Os internos se organizam em três níveis hierárquicos. Os trabalhadores de bancada são os que realizam a operação manual e recebem um salário mínimo por mês. O valor pode aumentar em até 10% quando o grupo bate a meta estabelecida pela empresa. Essa equipe se reporta ao vice-líder. Cabe a ele realizar o controle de qualidade e o desempenho de cada um. O líder, por sua vez, coordena a produção e as pessoas.

Eles trabalham mais – a jornada é de 12 horas por dia –, “mas recebem o dobro”, apressa-se em explicar um dos funcionários. No canteiro de trabalho da Tigre, o líder Francisco Oqueda, 45, diz que, às vezes, também faz o papel de psicólogo quando a equipe tem problemas na família. Se necessário, encaminha o caso para a assistente social da penitenciária.

Só trabalho

O trabalho na prisão é concorrido. São 323 vagas, todas ocupadas.

– Quando ficam sem o emprego, os internos costumam entrar em depressão ou ficam ansiosos – afirma o diretor da penitenciária, Richard Harrison Chagas dos Santos.

No canteiro, há um bom clima de trabalho. E esta paz não é aparente e nem se mantém por acaso. A linha de montagem até pode parecer pequena, dificilmente ultrapassa os 100 m², mas é dez vezes mais espaçosa do que a cela.

Grupos rivais não se encontram. Os próprios presos indicam quando há o risco de se tornarem companheiros de trabalho de alguém indesejado. A direção respeita e evita o encontro.

No dia a dia, quando alguém começa a se exaltar, o líder chama o agente para retirar o indivíduo para esfriar a cabeça.

– Aqui, ninguém trabalha nervoso – diz o vice-líder da Tigre, Francy Luy Matias, 23 anos.

Outro aspecto marcante é o respeito no local de trabalho. O trato entre os trabalhadores é educado.

– Se alguém não está querendo trabalhar, dizemos “por favor”. É tudo na educação e na cautela – afirma Francy Luy.

Fuga dentro de caixa

Por mais que o trabalho tenha ampla aceitação na penitenciária, há quem tenha outros planos. Três internos já conseguiram escapar quando estavam trabalhando. Como não é possível sair pelo teto, nem pelas laterais, o jeito foi se esconder dentro das caixas que deveriam transportar os produtos. A direção da penitenciária tratou de reduzir o tamanho delas.

De acordo com o diretor Richard Harrison Chagas dos Santos, o estabelecimento também toma o cuidado para não permitir que presos com pena longa tenham acesso à área de carga e descarga. Quanto maior o tempo da pena, maior o risco de fuga, em virtude da ausência de perspectivas.

O dia seguinte

Quando conquista a liberdade, quem passou pelo canteiro de trabalho tem uma chance maior de conseguir um emprego fora da penitenciária. Isto não é raro. Dentro da penitenciária, é citado, com orgulho, o caso de um trabalhador que subiu alguns degraus na carreira na Tupy.

Já a Ciser se dispõe a contratar ex-apenados, independentemente de terem passado pela estação de trabalho da empresa na penitenciária, e também dá oportunidade a quem está no regime semiberto. No total, são sete os funcionários que deixaram para trás o passado e se dedicam a escrever um futuro diferente.

Para André Luiz Miranda do Nascimento, que lidera o canteiro de trabalho da Nycolplast, a liberdade ainda vai demorar mais de uma década. Mas ele se prepara.

– Já fiz seis cursos aqui dentro. Este é o único local que dá oportunidade, somos tratados como reeducandos. Mas sei que não será fácil. Quando se procura emprego, a primeira coisa que pedem é a folha corrida – afirma.

As Conveniadas

Artbor, Nycolplast, Ciser, First Line, Maycon, Montesinos, Nutribem, Plasnor, Schulz, Sintex, Tigre, Tenerac, Microjuntas, Ittran, Deinfra, Ribeiro, SDN.

Fonte: A Notícia – Negócios & Cia.

 
 


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